Como fazer uma liderança humanizada na prática

Quando Hubert Joly assumiu a liderança da Best Buy (BBYY34), tradicional rede americana de lojas de eletrônicos, o desafio era grande. Era 2012, e a empresa tinha investido pesado numa expansão internacional que se mostrou decepcionante. Agora, tinha de arcar com o prejuízo. 

Além disso, a ascensão da Amazon estava massacrando o varejo físico de eletrônicos. E importantes fornecedores da Best Buy, como Apple, Microsoft e Sony, passavam a abrir lojas próprias, aumentando ainda mais a competição.

Para piorar, o CEO anterior havia renunciado após a descoberta de um relacionamento inapropriado com uma funcionária.

Resultado: lucro em queda livre, ações despencando e todos apostando que a rede fecharia as portas.

Mesmo assim, Joly conseguiu recuperar a empresa. Entre as medidas, estava o maior foco no online, a criação de “mini-lojas” 

temáticas dentro das Best Buys para as grandes marcas (Apple, Samsung etc.) e treinamento para os funcionários, para que eles conseguissem guiar os clientes em suas escolhas e explicar sobre os produtos (como acontece nas lojas das fabricantes).

O que Joly diz ser o segredo do sucesso, porém, é outro: uma mudança na cultura da empresa, com o intuito de focar mais nas pessoas (clientes e funcionários) – uma filosofia que ele chama de “mágica humana”, e que seria capaz de criar mais engajamento e produtividade nos colaboradores, e mais desejo de compra nos consumidores.

Não é a primeira vez que você lê algo assim. O assunto “gestão humanizada” virou clichê faz tempo, e de tão repetido soa como abstração pura. Mas em O Coração do Negócio, novo livro de Joly, ele detalha esse modelo com exemplos práticos. No trecho a seguir, o executivo dá dicas de como atingir a “mágica humana”.

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Capítulo 9  – Primeiro ingrediente: conectar sonhos

“Qual é o seu sonho?” 

Jason Luciano, gerente da loja da Best Buy em South Bay, Dorchester, sul de Boston, fazia essa pergunta a cada membro de sua equipe. Toda resposta era escrita num quadro branco na sala de descanso, junto ao nome da pessoa. Depois de registrá-la, Jason sempre dizia ao funcionário: “Vamos trabalhar juntos para ajudar você a realizá-lo”. 

Visitei a loja de South Bay em 2016, mais ou menos no início do plano de crescimento Building the New Blue. Como sabiamente me disse Shari Ballard, a fenomenal presidente de varejo da Best Buy até 2019, não era possível liderarmos uma companhia como a Best Buy a partir de planilhas em nossos escritórios. 

Eu já sabia que a loja de South Bay vinha se saindo bem e estava ansioso para descobrir o que o pessoal de lá estava fazendo, para que outras lojas pudessem aprender. Constatou-se que muito do sucesso se devia à simples pergunta “Qual é o seu sonho?” e ao que Jason fazia com cada resposta. Ao imaginar o que impulsionava as pessoas de sua equipe, ele se conectava genuinamente com cada uma delas. Porém o mais genial era que ele encontrasse um modo de conectar os sonhos daquelas pessoas ao propósito da empresa.

Jason me contou a história de uma vendedora que sonhava morar sozinha. O que a impulsionava era o desejo de ser independente. Se permanecesse na base de salário por hora no departamento de celulares, seria difícil ter condições de pagar por uma moradia própria. Juntos, eles conceberam um plano para que ela se tornasse supervisora ou gerente assistente. O que isso exigiria? Que competências ela precisava desenvolver para conseguir essas promoções? E como ele poderia ajudá-la a chegar lá? 

Com o apoio de seu gerente e de sua equipe, a jovem ganhou confiança, ajudou a melhorar o desempenho de sua unidade e se tornou alguém que inspirava seus colegas. Quando surgiu uma vaga de liderança no departamento de computação, ela foi escolhida. Após um tempo, realizou seu sonho e passou a ter sua casa. 

O comprometimento do gerente da loja em ajudar todo membro de sua equipe a realizar seu sonho foi extraordinário, e foi incrível testemunhar isso de perto. As equipes ganharam energia, o que, somado aos seus talentos, levou a loja a um alto desempenho. O lema de enriquecer a vida dos clientes por meio da tecnologia permitiu aos funcionários enriquecer a própria vida quando gerentes os ajudaram a ver como isso se relacionava com seu sonho, qualquer que fosse. Eles compreenderam que propósito e relações humanas – entre o gerente de loja e todos da equipe, bem como entre os camisas azuis [Blue Shirts, os funcionários da Best Buy que lidam diretamente com o público], clientes, fornecedores, comunidades e acionistas – estão no coração do negócio.

Engajar-se no propósito da empresa porque ele está em sintonia com o que faz você se levantar da cama toda manhã é um dos ingredientes essenciais do comprometimento com o trabalho. Articular claramente e alimentar essa conexão entre o propósito pessoal e o corporativo em cada membro da equipe é, portanto, um dos papéis cruciais de qualquer líder, desde altos executivos até gerentes de loja. 

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Se, como eu, você teve uma formação focada em dados e análises objetivas, pode achar isso piegas. No início da minha carreira, eu talvez concordasse com você. Mas funciona. É o tipo de conexão que testemunhei na Best Buy e vi resultar em algo que alguns caracterizariam como milagre improvável. 

Humanidade é o que liga o propósito pessoal ao coletivo. A maioria das pessoas quer fazer algo bom para os outros. Quando uma empresa se esforça para fazer o bem e ajudar as pessoas, é fácil estabelecer uma conexão entre a motivação pessoal e o propósito nobre da empresa. Um número crescente de empresários concorda com isso. Mas como funciona na prática? Como fomentar e alimentar essa conexão?

Expressar claramente a filosofia de “começar pelas pessoas” 

No dia 20 de agosto de 2012, a segunda-feira em que foi anunciada minha indicação para CEO da Best Buy, eu me dirigi a um grupo de cerca de 500 diretores e funcionários da companhia, na sede. Expressei, é claro, meu grande entusiasmo para me juntar à Best Buy, expus minhas ideias sobre a empresa e relatei estar confiante em que, unidos, conseguiríamos virar o jogo. Também falei sobre minha filosofia de gestão, que gira em torno de pessoas, negócios e finanças – nessa ordem –, sendo o lucro um resultado e um imperativo, não o objetivo. E deixei clara minha convicção de que o propósito de uma empresa não é ganhar dinheiro, mas contribuir para melhorar a vida das pessoas. 

É importante articular essas ideias cedo e com frequência, para que criem raízes e se entranhem na organização, nutrindo o terreno para que todos floresçam. 

Shari Ballard foi magnífica em afirmar a nossos 125 mil funcionários que cada pessoa é importante. Ela enfatizou, enérgica e repetidamente, que o tamanho da empresa não faz diferença: nós tocamos a vida de cada uma das pessoas. Shari incentivou nossos gerentes de loja e nossos camisas azuis a olhar para os clientes do jeito que olham para seus familiares e amigos. Como você ajudaria sua mãe ou seu pai a escolher uma TV nova? Ou sua irmã? 

[…]

Em março de 2020, pouco depois de eu ter anunciado que deixaria de ser CEO e quase oito anos após aquele primeiro grande encontro na sede, recebi uma mensagem de um técnico da Califórnia, Arnie, me agradecendo por ter articulado durante todos aqueles anos o valor de ser você mesmo, de servir aos outros e de descobrir nosso propósito. Arnie disse que isso o havia ajudado não apenas no trabalho, mas na vida. Suas palavras de agradecimento me tocaram profundamente, é claro. Também me fizeram perceber que expor com clareza essas crenças tinha tocado mais pessoas do que eu imaginava. 

Explorar o que impulsiona as pessoas à sua volta

Já vimos como isso funcionou na loja de South Bay, em Boston. Mas testemunhei outros exemplos. O retiro da equipe executiva em que trocamos histórias pessoais marcantes e nossas motivações gerou uma conexão entre nós, bem como aprofundou nosso entendimento da ligação que havia entre nós e a missão da empresa. Lembro também que, em minha entrevista para a vaga de CEO na Carlson, Marilyn Carlson Nelson me disse: “Fale sobre sua alma”. Ela queria saber o que me motivava e se isso se alinhava com o propósito e os valores da companhia. Contei o que havia extraído dos exercícios de Loyola: a importância da minha vida espiritual, como tinha evoluído com o tempo e minhas ideias sobre lucro e o propósito das corporações. Estávamos num voo de Paris a Minneapolis que duraria nove horas, ou seja, tivemos muito tempo para discutir a questão. 

Após décadas de “negócios em primeiro lugar” como credo corporativo dominante, é hora de encontrar significado no negócio. Isso começa com o propósito de cada um de nós. Começa por compreendermos como nosso propósito pessoal está alinhado – e se está alinhado – com o propósito da empresa. 

Compartilhar histórias para incentivar a geração de exemplos 

Nosso cérebro é estruturado para se conectar mediante o ato de contar histórias. A narrativa nos dá a sensação de experiência e humanidade compartilhadas. É algo em que encontramos naturalmente significado e inspiração. Contar histórias cotidianas – de funcionários, clientes, comunidades e de como eles impactam a vida uns dos outros – fomenta o propósito e a conexão com a empresa em que trabalhamos e as pessoas com quem trabalhamos. 

Há maneiras fáceis de fazer isso em qualquer organização. O blog da Best Buy coleta e publica histórias. Camisas azuis realizando cirurgia num dinossauro de brinquedo quebrado, funcionários ajudando veteranos sem-teto e famílias que perderam seus bens nos incêndios na Califórnia, pais e filhos usando camisas azuis são mais exemplos de como ligar propósito à prática. 

Acho que ter modelos a seguir ajuda também. Compartilhar explicitamente experiências de trabalho significativo e articular a conexão com o propósito da companhia fomentam um sentido coletivo dentro de uma organização. Isso também cria um ambiente fértil e educativo para que as pessoas identifiquem seu propósito e sinaliza que é algo importante. Mesmo agora que estamos avançados na campanha de crescimento Building the New Blue, toda reunião começa com o tema dos exemplos inspiradores. As pessoas contam sua história pessoal de mudança, por que isso importa para elas e como a Best Buy e o propósito da empresa se encaixam nisso. 

[…]

Pode parecer que estou fazendo propaganda, mas essas histórias relembram a todos na Best Buy qual é o propósito da empresa, como cada funcionário contribui para esse propósito e como ele impacta a vida das pessoas. Manter essa conexão é crucial para o comprometimento. 

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