Conheça a trajetória destes cinco cientistas brasileiros

Nos Estados Unidos, três em cada quatro jovens de até 24 anos não acreditam que a Terra é redonda. No Brasil, o IBGE descobriu que 11 milhões de habitantes — ou 7% da população — têm certeza de que o planeta é tão achatado quanto uma panqueca.

Esse é apenas um exemplo de algo que tem crescido no mundo nos últimos anos: a mobilização anticientífica. Os descrentes na ciência espalham fake news sobre o assunto, disseminam teorias conspiratórias e estimulam que ninguém se vacine. 

Mas, enquanto essas pessoas compartilham ideias que refutam comprovações científicas, o mundo foi acometido pela pandemia da covid-19, que evidenciou a importância da ciência para algo básico: a sobrevivência das população. Por isso nunca se falou tanto sobre o assunto. “A sociedade está vendo que a solução sairá das universidades, e a credibilidade da ciência está sendo levada em consideração”, diz Hamilton Varela, conselheiro do Instituto Questão de Ciência, que defende o uso de evidências científicas nas políticas públicas, e professor no Instituto de Química de São Carlos. 

Só que ser cientista no Brasil não é tão fácil. Além da descrença, a falta de gestão e de incentivo governamentais (com a interrupção de investimentos e a paralisação de pesquisas) torna a vida dos profissionais da área ainda mais complexa, não à toa muitos vão para o exterior. “Uma pesquisa interrompida não reinicia de onde parou. É um trabalho de anos jogado fora.

O problema é a falta de conhecimento sobre o método científico por quem está no poder”, diz Hamilton. Mateus Rockenbach, presidente da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric), que promove a ciência entre jovens estudantes, complementa: “Não nos faltam recursos e capacitação técnica, e sim administração pública inteligente com olhar de longo prazo”.

Mesmo com tantos desafios, o país tem grandes cientistas — e, a seguir, alguns deles falam sobre suas trajetórias e explicam o que é preciso fazer para trilhar uma carreira na área.

A estudante 

Juliana Estradioto, de 20 anos, nem iniciou a faculdade, mas já tem um currículo de pesquisas de impressionar. Enquanto faz as malas para os Estados Unidos, onde ganhou bolsa para cursar engenharia química e biológica e um financiamento de pesquisas na Universidade Northwestern, ela dedica seu tempo a incentivar cientistas iniciantes. “Meu maior sonho é mostrar para os jovens que é possível fazer pesquisa desde cedo”, diz ela, que é diretora da Abric e uma das ­coordenadoras da Feira Brasileira de Jovens Cientistas.

Juliana Estradioto, de 20 anos, dedica seu tempo a incentivar cientistas iniciantes.Ilustração: Davi Augusto/VOCÊ S/A

Tudo começou quando Juliana cursava o ensino médio técnico em administração no Instituto Federal de Ciência, Tecnologia e Educação do Rio Grande do Sul (IFRS) e se inscreveu em um curso de extensão sobre aproveitamento de produtos. Ali entrou em contato com o método científico, se apaixonou e começou a se tornar pesquisadora. 

As descobertas de Juliana no ensino médio — um plástico biodegradável feito da casca do maracujá e um produto à base da semente da fruta que limpa efluentes têxteis das águas — foram premiadas na mais importante feira de ciências do mundo, a americana Regeneron International Science and Engineering Fair (Isef).

No ano passado, ela foi a primeira brasileira a levar ouro na categoria Ciência dos Materiais, com o produto que criou e patenteou: um material biológico feito da casca da macadâmia que poderá ser utilizado como tecido para roupas e como pele e veias artificiais. “Uso a casca como alimento para micro-organismos e eles produzem um resíduo plástico.”

Além do reconhecimento, Juliana ganhará um asteroide com seu nome. “Sou a prova de que ser cientista é acessível. Não precisa ser um gênio, não”, diz ela, que é filha de professora de escola pública. “Por ver minha mãe passar dificuldade com seus alunos, sempre quis ser a melhor que pudesse ser. Então me esforcei.”

O matemático

Colecionador de descobertas e de prêmios, Artur Avila, de 41 anos, estuda sistemas dinâmicos e teoria espectral. Seu objetivo é encontrar soluções para problemas nunca antes desvendados.

Suas pesquisas lhe renderam, em 2014, a maior honraria de um matemático: a Medalha Fields, considerada a mais importante da área. “O papel dessas recompensas é trazer visibilidade fora do meio. No caso do Brasil, que tem poucos modelos de cientistas no imaginário da população, torna-se útil poder falar que um brasileiro ganhou um prêmio desses.”

Artur Avila, de 41 anos, estuda sistemas dinâmicos e teoria espectral.Ilustração: Davi Augusto/VOCÊ S/A

A trajetória do carioca como pesquisador começou aos 16 anos, quando ganhou a Olimpíada Internacional de Matemática e foi premiado com uma bolsa de estudos no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) — uma organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e ao Ministério da Educação (MEC) —, onde fez um mestrado, mesmo sem estar na universidade. “Desde pequeno quis ser cientista.

Mas tinha uma visão inexata da profissão. Por aptidão, fui me desenvolvendo na direção da matemática. Quando tive contato com o Impa foi um momento importante, porque percebi que existia a carreira de cientista matemático, o que se tornou meu objetivo.” 

Artur se formou na Universidade Federal do Rio de Janeiro aos 22 anos e, no fim do período letivo, defendeu sua tese de doutorado. Em seguida, mudou-se para Paris, onde realizou suas pesquisas para pós-doutorado no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) — e esse intercâmbio foi essencial para sua carreira.

“Como cientista é muito importante atuar em outras culturas. Em Paris, eu estava com pessoas com interesses ligeiramente diferentes dos meus, que começaram a me instigar a olhar de outras formas e a expandir meu olhar”, diz ele, que dividiu sua atuação entre o Impa e a instituição francesa nos anos seguintes. Em 2008, aos 29 anos, tornou-se o diretor de pesquisas do CNRS — o mais jovem a ocupar o cargo.

Há dois anos, Artur compartilha seus conhecimentos como professor titular na Universidade de Zurique, na Suíça, onde mora atualmente. Mas ele continua dedicando parte de seu tempo às pesquisas brasileiras, com o pessoal do Impa e da Universidade de São Paulo. “No Brasil, há dificuldades como as crises acumuladas e a instabilidade política.

No enquanto, existe um potencial de crescimento, de desenvolvimento do conhecimento acadêmico e a oportunidade para uma carreira científica. É diferente da Europa, onde há até saturação de pesquisadores nas universidades.” 

A ecologista

Embora gostasse de ciências, a falta de conhecimento sobre a área levou Edenise Garcia, de 52 anos, por um caminho um pouco mais tortuoso. Formada em letras e em jornalismo, ambas pela Universidade de São Paulo, iniciou sua trajetória como repórter da revista VEJA (do Grupo Abril), onde ficou por dois anos. Mas o dia a dia dentro da redação evidenciou a saudade que ela sentia da natureza.

Por isso, voltou aos bancos da USP para cursar biologia com ênfase em ecologia. Aí ela se encontrou. “Notei que queria seguir como pesquisadora quando percebi que havia estudado 60 créditos enquanto apenas 24 eram obrigatórios.”

Edenise Garcia, de 52 anos, voltou ao Brasil para fazer parte da equipe da The Nature Conservancy Brasil (TNC), organização não governamental que cuida da conservação do meio ambiente.Ilustração: Davi Augusto/VOCÊ S/A

Recém-formada, disputou e conquistou uma bolsa para fazer mestrado em ecologia aquática na Universidade de Montreal, no Canadá, onde emendou o doutorado.

Em 2006, foi trabalhar na Organização Mundial da Saúde, em Genebra (Suí­ça), como conselheira em temas relacionados a contaminantes ambientais. Em seguida, recebeu uma bolsa para participar de um programa sobre mudanças climáticas e uso da terra na Brown University (em Rhode Island, nos Estados Unidos), e pôde ouvir palestras de um dos grandes expoentes do tema: Al Gore, ex-vice-presidente americano. 

Após o programa, Edenise tinha duas opções: trabalhar no Ártico ou na Amazônia. “A escolha foi difícil, mas minha paixão de infância pela Amazônia acabou predominando.” Assim, em 2008 a cientista voltou ao Brasil para fazer parte da equipe da The Nature Conservancy Brasil (TNC), organização não governamental que cuida da conservação do meio ambiente.

Hoje, ela é diretora de ciên­cias da instituição e mora em Belém (PA), de onde coordena a equipe de ciências do Programa Amazônia. Seu enfoque é fazer análises do desmatamento, buscar por alternativas sustentáveis de uso da terra e pesquisar sobre a mudança climática na floresta. “Em meio a esta imensidão, me sinto tão pequena e ao mesmo tempo me pergunto: ‘Como parar tanto estrago?’.” Para quem quer atuar­ em ciências, a dica de Edenise é não ficar parado. “Não perca oportunidades, esteja sempre atento. Aplicar-se para bolsas é o segredo.”

O físico

Físico e astrônomo, Marcelo Gleiser, de 61 anos, ganhou projeção internacional fora dos muros das universidades. Isso aconteceu graças a duas frentes: a aparição em programas de TV veiculados nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil (onde a série Poeira das Estrelas, exibida no Fantástico em 2006, foi um sucesso); e a autoria de oito livros publicados em diversos idiomas.

“Cresci numa família com uma boa biblioteca. Aos 13 anos, lia Edgar Allan Poe e Fernando Pessoa. E consegui unir meus interesses pelas questões humanas e as ciências.” Sua atuação em cosmologia, astrobiologia e teorias complexas e seu incentivo para que se escutem diferentes pontos de vista fizeram com que Marcelo recebesse, no ano passado, o Prêmio Templeton, descrito como o Nobel do diálogo entre ciência e espiritualidade. 

Físico e astrônomo, Marcelo Gleiser, de 61 anos, ganhou projeção internacional fora dos muros das universidades.Ilustração: Davi Augusto/VOCÊ S/A

Mas a vida de Marcelo só tomou esse caminho porque ele contrariou o desejo do pai, que queria um filho engenheiro químico. Dois anos depois de iniciar engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele transferiu o curso para o de física na PUC.

“Meu pai não bancou e tive que me virar para realizar meu sonho. Não era o tipo que tirava só nota dez, mas tinha o espírito de guerreiro e de não desistir.” Com mestrado pela UFRJ e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia e pelo Fermi National Accelerator Laboratory (um dos mais importantes laboratórios de física de partículas do mundo), Marcelo é professor no americano Dartmouth College desde 1991, onde leciona física, astronomia e filosofia natural. 

Seu projeto mais recente se conecta com o propósito de levar a ciência para todos. Por meio de um canal no YouTube batizado com seu nome, Marcelo quer compartilhar gratuitamente conteúdo de alto nível.

Para começar, está produzindo o curso Física para Poetas, baseado em seu livro A Dança do Universo (Companhia de Bolso, 29,90 reais). Serão 20 aulas sobre os questionamentos da humanidade a respeito da criação do Universo, mostrando, de forma cronológica, a relação entre ciência, filosofia e religião. “O Brasil está censurando a ciência e cortando bolsas. Quando eu vejo essa juventude cheia de energia sem chance de contribuir como cientista, sinto que posso ajudar. Minha sala de aula é o mundo. Tenho o dever moral de dividir o máximo que posso.”

A bióloga

O ceticismo científico, prática que estimula que as ideias científicas devam ser testadas e questionadas antes de se tornarem públicas, é um dos temas mais caros à bióloga Natália Pasternak, de 44 anos.

Natália Pasternak, de 44 anos, é uma das fundadoras e diretora presidente do Instituto Questão de Ciência.Ilustração: Davi Augusto/VOCÊ S/A

Formada em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo e Ph.D. com pós-doutorado em Microbiologia pela mesma instituição, Natália é uma das fundadoras e diretora presidente do Instituto Questão de Ciência, órgão pioneiro na promoção do pensamento crítico e na defesa de políticas públicas baseadas na ciência por meio do site iqc.org.br.

A paulistana ganhou notoriedade quando foi uma das primeiras a questionar o uso sem evidências científicas da cloroquina para o tratamento da covid-19. Ela já tinha sido uma das cientistas que levantou a bandeira de alerta no episódio da “pílula do câncer” (fosfoetanolamina sintética), em 2016, e refuta qualquer sugestão que seja feita sem comprovação científica. “Essa é a minha missão.”

Filha de professores universitários, Natália sempre teve certeza da carreira acadêmica. “Eu me apaixonei na aula de genética na faculdade e sabia que a pesquisa era o caminho.” Mas foi depois de se tornar mãe que ela sentiu o chamado para disseminar a ciência. Tudo aconteceu quando surgiu o movimento antivacina no grupo de WhatsApp das mães da escola.

“Eu me empolguei e comecei a explanar vários assuntos até que fui expulsa do grupo. Percebi que não era tão fácil assim fazer divulgação científica. Ciência não é um prato pronto. Você tem que ensinar a ter um raciocínio crítico, um processo de investigação.” 

Foi então que ela criou o blog Café na Bancada e passou a ser reconhecida e convidada a ser colunista de publicações especializadas. Natália foi diretora no Brasil do festival internacional de divulgação científica Pint of Science: Um Brinde à Ciên­cia, coordenando palestras em 85 cidades, e também é autora do livro Ciência no Cotidiano (Contexto, 35 reais). “Existe a necessidade de um trabalho de divulgação para a sociedade para que as pessoas valorizem o trabalho dos cientistas.” 


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