Entre ser e estar, e a ilusão das posições de poder

Estava aqui pensando em como começar este texto, porque por mais que as ideias estivessem claras na minha cabeça, confesso que havia uma dificuldade em concatená-las e transformá-las em um texto. Mas mesmo assim decidi fazê-lo, afinal ideias e ideais precisam ser compartilhados. 

Lembro-me que há algum tempo atrás, a pedido de uma grande amiga minha, fui tomar um café com um de seus amigos que estava enfrentando algumas questões de ordem pessoal e, por algum motivo, essa minha amiga achou que este encontro poderia ser produtivo. 

No começo do café falamos sobre algumas amenidades e na sequência entramos em uma conversa mais complexa e logo pedi para ele me falar um pouco mais sobre “quem ele era”. 

A resposta veio em forma de um perfil “campeão” do LinkedIn, com todas as suas passagens e feitos de carreira muito bem estruturados. Deixei-o terminar e repeti a pergunta de outra maneira, “Obrigado, se essa fosse uma entrevista de emprego certamente você estaria entre os principais candidatos. Mas ainda estou em dúvida sobre quem você é. Quer tentar novamente?”. 

Antes deste dia, a questão sobre os conceitos de ser e estar já ocupava algumas das minhas reflexões, mas no momento em que eu o ouvi algo aterrissou de maneira abrupta – As pessoas não sabem quem são (ou se esquecem), e muitas vezes acreditam que são as posições sociais que ocupam, e a partir do momento que elas perdem tais posições, elas também perdem quase que por completo a identificação de quem se é (ou poderiam ser). 

Neste sentido, me pergunto se estamos buscando estar ao invés de Ser, e o quanto essa busca pode ser frustrante ao ultrapassar a linha de chegada. 

O estar é perecível, apenas o Ser é permanente. 

No capítulo XI do livro “Dhammapada – O caminho do Darma”, que contém os principais ensinamentos do Budda histórico (Sidarta Gautama), está o seguinte: 

“Observe este corpo: um amontoado de pele e órgãos coberto de chagas e cicatrizes, vulnerável a doença, cheio de pensamentos desvairados; nele, nada é estável, nada é realmente duradouro.” 

Assim também são as posições sociais e profissionais que ocupamos, hoje podemos “estar” em uma posição privilegiada, um cargo importante em uma empresa poderosa, um cargo político, uma situação financeira favorável e influente e etc. O homem que É, sabe que “estar” é uma posição perecível, e quando ele se encontra em uma posição favorável do “estar”, ele a utiliza de maneira virtuosa. Já o homem que apenas “está” se ofusca, e muitas vezes utiliza esse privilégio de maneira autoritária, individualista, subjugando os demais de acordo com seus interesses, ou apenas para a simples satisfação do Ego entorpecido por aquela falsa sensação de poder. 

O Homem que “É” utiliza o “estar” sempre de maneira virtuosa. 

Para Sócrates, o Ser permanente estava relacionado ao cultivo de certas virtudes, ele dizia que o homem que não perece diante da morte “decora a sua alma, não com uma beleza emprestada, mas com uma própria; com autocontrole, bondade, coragem, generosidade e verdade.” 

Para os Gregos o homem virtuoso era aquele que tinha a disposição de praticar o bem, uma despretensiosa inclinação para praticá-lo, e que sabia que as virtudes eram os hábitos constantes manifestados no caminho do bem. 

O ponto é que, os homens que hoje admiramos, os grandes mestres e sábios que nos inspiram pelo caminho virtuoso, não são ou foram os homens que “tiveram” ou “estiveram”, mas sim os homens que cultivaram o “Ser”. E ao se colocarem em um papel virtuoso de “Ser”, nos trouxeram exemplos e iluminaram o caminho que devemos seguir. 

Mas hoje… Hoje vivemos em tempos impermanentes, onde o “estar” e “ter” ilude o julgamento dos tolos, colocando homens não virtuosos em posições de poder, e esta posição lhes dá condições de atuar na vida de outros. E este é o ponto crucial e preocupante, o impacto de tais homens na vida das pessoas. 

Homens que São, exercem influência por meio de suas ideias e ideais, e que geralmente estão alinhados com algum propósito construtivo, honesto e engrandecedor. Já os homens que estão, estes exercem comando e controle por meio de suas posições hierárquicas, através do medo, coação ou submissão. 

Ponto pacífico é que, “estar” tem prazo de validade. Hoje podemos estar em um emprego, em um cargo de diretoria, em uma cadeira de presidência, em uma posição de poder e assim por diante. Mas tudo isso é mutável e, com os movimentos da vida, amanhã podemos não estar mais, e as vezes quando a vida dá essa reviravolta, podemos precisar da ajuda justamente daqueles que queríamos atear fogo e que subjugamos no passado. Como dizia um amigo meu, “O BIFE VIRA”. 

Mais perecíveis do que estas posições de poder, que são absolutas para uma realidade, mas ilusórias para uma realidade maior, é a nossa própria existência. Nossa existência tem prazo de validade, o único destino certo de todos nós é, e sempre será, a morte, alguns mais cedo e outros mais tarde. A única coisa que persistirá à nossa morte será a forma como influenciamos as pessoas ao nosso redor, os ideais que cultivamos, a forma como interagimos com as pessoas durante a vida, o legado que deixamos no mundo. Pensando nisso, é melhor que todas essas memórias sejam positivas, que a gente deixe o mundo melhor do que quando o encontramos. Grandes homens são admirados não pelos cargos que ocupam ou ocuparam, mas sim pelo impacto positivo que tiveram no mundo. 

Eu particularmente tento sempre ter uma coisa em mente, em todas as interações que tenho com outras pessoas, fazer com que elas saiam desta interação melhores do que antes. E tento, na medida do possível (pois somos humanos, e erramos), deixar um rastro positivo pelas vielas que passo. É um exercício, um desafio, uma alquimia que requer humildade, esforço e disciplina. 

Por Thiago Franzão, diretor de mídia da agência Africa.
Em parceria com o Walk and Talk.

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