Existe diferença entre home office e teletrabalho?

Começo a escrever esse artigo um ano depois de me afastar de minhas atividades presenciais. Há um ano estou trabalhando de casa, sem qualquer contato com o mundo profissional que não seja através de meios de comunicação virtual. Essa é a realidade de todos que podem se dar ao luxo de trabalhar remotamente. Embora não seja o que se desejava ou esperava, estamos em um cenário que aponta para mais alguns ou vários meses nos quais o afastamento social será necessário como medida de prevenção de contágio pela Covid-19. Mais do que nunca é importante entender o que é home office e quais os direitos e deveres dos empregados nesse formato de prestação de serviços.

Antes de mais nada, vale a pena fazer a distinção – que parece tecnicidade, mas não é – entre o chamado home office e o teletrabalho. O teletrabalho está definido em lei: o artigo 75-B da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista de 2017, define como teletrabalho “a presta­ção de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”

Deixando de lado por um momento os demais aspectos, deve ser notado que o teletrabalho ao qual se aplicam as regras da CLT é aquele realizado preponderantemente fora das dependências da empresa. Por exclusão e conveniência, tratar-se-á nesse artigo como home office o trabalho remoto que não seja predominante quando comparado ao trabalho presencial.

A consequência prática desse requisito colocado no artigo 75-B é que se qualquer trabalhador estiver em regime de home office, não estará amparado pelos artigos da CLT introduzidos pela Reforma Trabalhista que regulam o teletrabalho.

O que isso quer dizer? Quer dizer que esses empregados, que se optou aqui chamar trabalhadores em home office (e não em teletrabalho), não usufruem de regulamentação específica. E, se não há lei específica, aplicam-se as regras em vigor que governam os contratos de trabalho de uma forma geral.

Sendo mais específico, vale um passeio pelos dispositivos que regulam o teletrabalho da CLT e debater seus efeitos sobre o teletrabalho (ou seja, com prevalência do trabalho fora da sede da empresa) e o home office (aqui definido como o trabalho remoto não preponderantemente fora da empresa).

O primeiro ponto que merece destaque diz respeito “à res­ponsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado”. O art. 75-D da CLT determina que esse tema deve ser previsto em contrato escrito (como aliás o teletrabalho em si). A propósito, ainda que o sistema de teletrabalho do último ano tenha sido introduzido de forma extraordinária, em razão da pandemia, sem que os empregadores estejam necessariamente planejando adotar este regime de forma definitiva, é importante que os contratos sejam aditados para que haja a previsão expressa do teletrabalho e suas peculiaridades.

Nada obstante a contemporaneidade da regra, já há precedentes que aceitam cláusulas contratuais que estabelecem que nada será devido ao empregado para compensar custos por trabalhar em casa, na medida em que há naturalmente ganhos para o empregado (menores despesas de transporte, vestuário e alimentação) e despesas adicionais (energia, espaço físico, internet, etc.) que se compensam, sendo o saldo igual a zero. Em fevereiro de 2020, a 3ª Turma do TRT-2 (São Paulo) julgou o caso movido por um atendente de call center da Gol e determinou a validade dessa interpretação.

Portanto, o empregado em teletrabalho deverá ter previsto em seu contrato esse tema de despesas e equipamentos, podendo esse mesmo contrato validamente resultar em nenhum pagamento adicional.

Nada obstante ao empregado em home office não se aplique essa regra formalmente, parece mais do que razoável que a ele deva ser aplicado o mesmo raciocínio. Se pode haver acerto válido que preveja que não haverá pagamento adicional ao empregado por estar em teletrabalho, mais do que razoável que isso se aplique ao empregado em home office, que, pela definição aqui adotada, estaria trabalhando fora da sede do empregador por período menor do que o trabalhado presencialmente.

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O mesmo se aplica à obrigação prevista no art. 75-E de que o empregador deve “instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”, assinando termo de compromisso no qual o empregado se compromete a seguir essas instruções. Esse é outro direito que naturalmente deve se aplicar indistintamente ao teletrabalho (preponderantemente remoto) ou ao home office (preponderantemente presencial), na medida em que, se aquele que passa a maior parte do tempo fora da empresa tem direito apenas a ser instruído e o dever de se comprometer a seguir as instruções quanto a regras de segurança e medicina do trabalho, com mais razão essa regra deve ser aplicada aos empregados em home office que passam menos tempo fora da empresa.

Até aqui então, nada muda. A questão, contudo, se torna mais relevante quando se pensa em controle de jornada no teletrabalho e no home office. Pois bem. O inciso III do art. 62 da CLT introduzido pela Reforma Trabalhista determina que não estão sujeitos ao controle e jornada de trabalho os empregados em regime de teletrabalho. Aqui a lei é clara e restritiva.

Apenas o empregado em regime predominantemente remoto (teletrabalho) está isento do controle de jornada. Portanto, em caso de home office (trabalho remoto não preponderante), o empregado está sujeito às regras gerais de jornada. Deve trabalhar comumente o máximo de oito horas por dia e quarenta e quatro por semana e deve ter sua jornada registrada em controle adequado e válido, sob pena de não ter a empresa forma de comprovar a jornada e ficar vulnerável a pedidos de pagamento de horas extras.

Há quem defenda que mesmo a isenção prevista no inciso III do art. 62 para os teletrabalhadores seria frágil em vista da tendência da justiça do trabalho de determinar o controle de horário sempre quando possível. Embora mereça respeito esse alerta, o fato é que a lei estabeleceu a isenção e não deveria estar a cargo do julgador revogar artigo de lei de clareza inquestionável.

Portanto, quando se fala em jornada, a distinção entre teletrabalho (preponderantemente remoto) e home office (preponderantemente presencial), é muito relevante. Os empregados em teletrabalho, em condições normais de temperatura e pressão, não devem estar sujeitos a controles de jornada nem ao pagamento de horas extras.

Fala-se em condições normais de temperatura e pressão porque, naturalmente, em casos de abusos flagrantes (por exemplo com apresentação e provas de jornadas excessivas constantes resultando em condição abusiva imposta pelo empregador) deve-se esperar uma reação adversa da justiça do trabalho.

Já no caso do home office não há como defender que ao empregado nessa modalidade de trabalho se aplicaria a isenção de controle de jornada. A regra do inciso III do art. 62 é excepcional e, portanto, deve ser aplicada restritivamente.

Por fim, deve ser anotado que nada muda no que diz respeito a férias, sendo o trabalho presencial, preponderantemente remoto (teletrabalho) ou parcialmente remoto sem preponderância (home office). As férias devem ser adquiridas, gozadas e/ou indenizadas da mesma forma.

O trabalho remoto veio, dizem, para ficar. Mesmo quando passada a pandemia, o que se espera seja mais cedo do que tarde, é natural que muitos trabalhadores continuem prestando serviços remotamente, seja pelos naturais benefícios e eliminação de custos para empregador e empregado, seja pelos óbvios benefícios para a comunidade de uma forma geral, com a diminuição da circulação de pessoas e meios de transporte com as economias que daí decorrem e benefícios até mesmo em relação aos níveis de poluição ambiental nas cidades. Portanto, é essencial para as empresas o correto entendimento das regras a serem aplicadas para evitar surpresas no futuro.

 

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