Seu filho sabe o que você faz? Veja como explicar sua carreira às crianças

Conciliar trabalho com vida familiar não é tarefa fácil, ainda mais quando há filhos no pacote. E se, nos primeiros meses com crianças, a dificuldade está em equilibrar a dedicação aos pequenos sem abrir mão da carreira, à medida que eles crescem surgem outros desafios.

Como encontrar explicação para a verdadeira importância que o trabalho tem na vida dos pais? E como isso influencia a visão que os filhos terão sobre a carreira no futuro, por exemplo?

De acordo com especialistas, essas questões pintam na cabeça dos rebentos por volta dos 5 anos. É quando a criança começa a adquirir noção de tempo e percebe, por exemplo, que há dias em que os pais se ausentam da manhã à noite ou, no caso dos que fazem home office, estão em casa mas não disponíveis para brincadeiras e passeios.

“É quando descobrem que existe um lugar chamado trabalho do qual eles não fazem parte e querem saber o que é”, diz a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria.

Com tantas mudanças nos modelos de trabalho e na configuração da família, é claro que não há respostas prontas para quando o filho questiona: “Por que você tem de sair para trabalhar?” Na maioria das vezes, é de supetão que pai e mãe se veem com cobranças desse tipo.

Nessa hora, a melhor resposta é a mais verdadeira possível, alinhada ao que de fato tem mais valor para cada um e demonstra a relação do adulto com a carreira — se é movido por dinheiro ou felicidade, por exemplo.

Relação de parceria

Na geração atual, de pais e filhos que compartilham mais proximidade e intimidade do que antigamente, a comunicação sobre as demandas, os percalços e as conquistas do mundo profissional fica mais fluida.

Ainda assim, há basicamente duas formas de lidar com essa realidade: incluindo os filhos e conversando abertamente sobre questões do dia a dia; ou isolando-os e evitando levar assuntos do escritório para casa, deixando, assim, a curiosidade sobre o que o pai e a mãe fazem.

Qualquer que seja a abordagem, vale saber que a postura dos genitores pode influenciar a percepção dos pequenos e até a relação futura que eles estabelecerão com a própria vida profissional.

“Crianças absorvem o que veem e ouvem dos adultos. Se percebem que os pais saem de casa desgostosos, voltam estressados e culpam o emprego ou o chefe por isso, vão associar o universo do trabalho a coisas negativas”, destaca Fabiana Mara Esteca, doutora em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo e estudiosa de temas de família.

Para a presidente do grupo Hinode, Marília Rocca, de 46 anos, a carreira sempre foi fonte de prazer e realização. Acostumada a atuar em mais de um projeto e a ter uma agenda atribulada, ela conta que não saiu de licença-maternidade e optou por não amamentar nenhuma das duas filhas, hoje com 9 e 13 anos. Quando retomou o trabalho após o segundo parto, ainda tinha os pontos da cesariana.

De acordo com a executiva, isso não quer dizer, entretanto, que a carreira esteja em primeiro lugar, mas que há fases em que é preciso dar menos atenção à vida pessoal em nome do trabalho — e vice-versa. “Ser mãe full time nunca foi para mim”, diz.

E quem acha que tamanha entrega aos negócios resultou em uma família desagregada e distante se engana. “As meninas me dão conselhos e palpitam em assuntos do trabalho. Faço questão de ser honesta quando estou preocupada com alguma coisa ou arrasada porque cometi um erro. Não quero que achem que sou infalível”, diz Marília.

Além de participativas, as garotas são as maiores defensoras da mãe quando a agenda não permite que ela compareça às festas da escola e outros eventos. “Uma vez, quando um amiguinho perguntou à mais velha por que a mãe nunca podia levá-las e buscá-las nos lugares, ela respondeu que eu estava ocupada ‘salvando pessoas de comer besteira e morrer cedo’ ”, relembra com orgulho a executiva, que, na época, comandava uma empresa de alimentos naturais.

Segundo Marília, isso demonstra que ela conseguiu ensinar maturidade, liderança e responsabilidade com o modelo de criação que escolheu. “Sempre quis mostrar a importância do trabalho para sustentar nossa vida e ajudar os outros a viver melhor, nunca coloquei como um sacrifício”, afirma.

Estabelecendo limites

Quem não se lembra do episódio, em 2017, em que um professor, numa entrevista para a BBC, foi interrompido pelos filhos durante uma transmissão ao vivo?

A cena em que as crianças abriam a porta do escritório do pai enquanto ele comentava sobre o impeachment da presidente sul-coreana Park Geun-hye, e eram resgatadas por uma mãe desesperada que saía engatinhando, viralizou como algo divertido, mas retrata bem um dilema de quem faz home office com filhos por perto: como controlá-los e deixar claro que você não está à disposição?

O ideal, como aponta a psicóloga Fabiana, da USP, é manter um cuidador (que pode ser funcionário ou parente) que substitua o responsável na atenção e faça companhia para a criança, sobretudo as mais novas.

Entreter com atividades agradáveis e garantir um espaço acolhedor para os pequenos evita que eles se sintam inseguros e corram em busca dos pais. Isso serve também para profissionais que levam os filhos ao escritório de vez em quando, seja por desejo de tê-los por perto, seja por falta de opção com quem deixá-los.

Mas, se os meninos não puderem encostar em nada nem fazer barulho, melhor nem levar. “O bem-estar da criança precisa estar em primeiro lugar e nenhuma situação deve ser imposta, e sim conversada. Para o filho, saber que o pai ou a mãe estão na sala ao lado, mas inacessíveis, é pior do que a ausência”, alerta a psicóloga.

O cirurgião craniofacial Pérsio Bianchini Mariani, de 49 anos, divide com a esposa, sexóloga, o espaço da clínica onde atende. Valentina, filha do casal, de 7 anos, passa pelo menos duas tardes da semana ali.

Além de ela brincar com massinha e fazer lição de casa, o pai separou moldes cirúrgicos para que se entretenha e até encomendou um avental com nome bordado para a menina. Mesmo assim, o casal conta com uma assistente para fazer companhia e ficar de olho na pequena e, assim, evitar surpresas como a ocorrida com o professor da BBC.

“Nunca tivemos nenhum problema”, afirma Pérsio. De acordo com ele, conhecer o dia a dia e participar do ambiente de trabalho dos pais preenche a curiosidade da filha e fortalece a confiança e a intimidade. Mas tem mais: Pérsio vê isso como uma oportunidade de influenciar os interesses da filha quando for a hora de escolher uma ocupação.

“É claro que tomo cuidado para não pressionar, mas acho importante incentivá-la desde cedo a pensar no futuro e optar por algo que possibilite um padrão de vida legal, mesmo que não seja o mesmo que eu escolhi”, afirma Pérsio.

Para muitos pais e mães, conversar com os filhos desde cedo sobre carreira é visto como uma chance de ensinar valores como responsabilidade, direcionar as escolhas e garantir que tenham um futuro de sucesso.

Só que isso também é uma armadilha, já que pressionar em relação ao caminho profissional a seguir pode abafar o desenvolvimento de habilidades e interesses autênticos e gerar frustração para todos os envolvidos.

“É preciso respeitar a personalidade e os desejos do jovem e ter noção de que, mesmo com o exemplo dos pais, o filho pode fazer tudo diferente”, diz a psicóloga infantil Daniella.

Quando se trata dos jovens das gerações Z (que têm hoje até 25 anos) e Y (por volta dos 35), é sabido que não querem seguir a trajetória dos pais quando isso não faz sentido para eles.

Permanecer em um emprego que paga bem mas não traz satisfação está fora de questão para essa turma. “Querer que o filho ‘dê certo’ na carreira é o primeiro passo para o erro”, afirma Daniella.

Questão de gênero

Para as mães que ficam com o coração apertado por deixar os pequenos em casa, há um consolo: um estudo da Harvard Business School revelou que filhos de mulheres que trabalham fora se saem melhor no futuro — na vida pessoal e profissional.

De acordo com a pesquisa, as meninas tendem a frequentar a educação formal por mais tempo e conseguir cargos altos. Já os garotos se tornam homens mais colaborativos nas tarefas domésticas.

“O contexto do trabalho gera oportunidades para discutir temas como valorização da mulher, assédio e saúde mental. E mesmo as situações negativas têm muito a ensinar sobre relações humanas, frustração e autoconhecimento, o que é importante para a vida fora do trabalho também”, afirma Flávia Soubihe, coach e sócia-fundadora da Woman To Be, consultoria para mulheres.

Apesar dos movimentos por equidade de gênero, a realidade mostra que são elas que acabam tendo de abrir mão da carreira logo depois de ter filhos. De acordo com um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), praticamente metade das profissionais brasileiras é demitida ou pede demissão no primeiro ano depois de dar à luz.

Embora algumas optem por se dedicar integralmente à família, para outras entre os motivos de afastamento estão o preconceito no ambiente corporativo e a falta de uma estrutura de apoio (como creche e babá), o que torna a conciliação da maternidade com a carreira uma tarefa quase impossível.

Por isso, muitas mulheres defendem que todo apoio é bem-vindo e determinante para que evoluam profissionalmente em vez de se tornarem mães em tempo integral contra a vontade.

Luciana Antão de Souza, de 35 anos, analista de governança em uma seguradora, sabe bem o valor dessa rede de proteção. Moradora de Itaquera, na zona leste de São Paulo, e trabalhando na região da Avenida Paulista, ela gasta quase 3 horas no transporte diariamente.

O marido, designer freelancer, trabalha em casa, mas o casal conta com a mãe de Luciana para ficar com a filha deles, de 5 anos, todos os dias à tarde. “Esse esquema de organização é fundamental para eu ir tranquila para o escritório e oferecer um tempo de qualidade à minha filha quando estamos juntas”, afirma.

Aliás, foi pensando em mais flexibilidade que Luciana deixou o emprego em uma agência de comunicação e mudou de área há cerca de três anos. Hoje é raro chegar tarde em casa ou perder eventos por causa de horas extras. Mas, quando acontece, ela afirma que não fala mal do trabalho e justifica dizendo que a profissão é motivo de felicidade.

“Quero passar uma mensagem positiva em relação a isso e motivar desde cedo a fazer aquilo que traga prazer e não só dinheiro”, diz. No final, não existe um jeito certo de falar de carreira com os filhos, como não existe uma única maneira de educá-los.

Cada pai e cada mãe vivem a parentalidade da forma que faz sentido para eles e o modelo vencedor é o que cabe no bolso — ou na escrivaninha.

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