Tarsila do Amaral escreveu um livro sobre liderança “sem nem perceber”

São Paulo – Até o fim deste mês, quem visitar o MASP, em São Paulo, poderá conferir a mais ampla exposição já dedicada a Tarsila do Amaral (1886-1973). Uma das mais destacadas artistas brasileiras e personagem central do modernismo no Brasil, Tarsila e seus quadros são fonte de inspiração para muito além dos limites da arte.

Para César Souza, fundador do Grupo Empreenda, apontado como um dos maiores especialistas em gestão de pessoas, a exposição “Tarsila popular” pode servir de ponto de partida para estudos de conceitos essenciais de liderança.

“Há quase 100 anos, a Tarsila do Amaral escreveu um livro sobre liderança sem saber”, diz ele. A pedido de EXAME, Souza indicou cinco quadros da exposição e relacionou cada um deles com um tema que merece atenção de qualquer pessoa com aspirações de liderança.

“Cada um desses quadros poderia ilustrar um capítulo com temas que hoje são muito importantes na formação de qualquer líder”, diz. Confira:

Lição 1: Liderança transformacional
Quadro: O Abaporu, 1928

Abaporu,de Tarsila do Amaral: tela de 1928Divulgação

“ Homem sentado sobre o solo ou Tarsila diante do espelho? Perguntou-se Oswald de Andrade (1890-1954), seu então marido. No diálogo entre essas interpretações, surge a de Tarsila: do dicionário tupi-guarani, Abaporu, o homem que come, foi a escolha para marcar a criação do movimento antropofágico idealizado por Oswald e Raul Bopp (1898-1984)”, diz o texto explicativo da exposição para um dos mais famosos e importantes quadros de Tarsila do Amaral.

O quadro, uma das mais valorizadas telas brasileiras no mercado mundial de artes, traduz a primeira grande lição de liderança da artista, segundo Souza. “Ela foi uma líder transformadora e o impacto dela como líder transformacional vem com o Abaporu em 1928”, diz Souza.

Em tempos de repetição à exaustão do termo disrupção, o Abaporu é inspiração para quem deseja mudar paradigmas, para usar outro termo bastante usado no meio corporativo. “ Com ousadia e coragem, ela fez o que ninguém esperava”, diz Souza.

“Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald (de Andrade), sabe? Que fosse uma coisa mesmo fora do comum. Aí é que vamos chegar no Abaporu. Eu mesma não sabia por que eu queria fazer aquilo… depois é que eu descobri”, disse Tarsila, no texto destacado pela curadoria da exposição.

Lição 2: Liderança Feminina
Quadro: A Negra, 1923

Divulgação

“Não por acaso a polêmica pintura A negra recebe atenção especial dos autores e é um trabalho central na mostra”, diz o texto assinado por Adriano Pedrosa, diretor artístico e Fernado Oliva, curador do MASP. Com enfoque na controversa noção de popular explorada pela artista, a exposição aponta e indica novas maneiras de perceber o trabalho de Tarsila do Amaral.
Souza, chama a atenção para o protagonismo de Tarsila no movimento modernista. “ Fazer o que essa mulher fez, há 100 anos atrás, quando todo mundo queria mulheres para serem esposas do lar. Ela é um exemplo de liderança feminina, diz o especialista.
Apesar de não ter sido pioneira no modernismo, já que este posto pertence à pintora Anita Malfatti, Tarsila deu forma ao conceito e se destacou como figura central. “O Oswald de Andrade criou o conceito de antropofagia, mas foi a Tarsila quem tangibilizou”, diz.

Lição 3: Convergência
Quadro: Antropofagia, 1929

Antropofagia: tela de 1929Divulgação

“A terceira grande lição que a gente aprende com Tarsila é a lição da convergência. Um líder tem que ser convergente, Como eu costumo dizer, o líder tem que ser construtor de pontes e, não, de paredes. E o quadro Antropofagia mostra a convergência”, diz Souza.

A convergência que está em Antropofagia pode ser entendida sob dois aspectos: na tela convergem duas figuras já retratadas pela artista, o Abaporu e a Negra, e também pelo significado do conceito antropofagia cunhado pelo movimento modernista.
“A antropofagia é um modelo poético para o intelectual brasileiro se relacionar com a tradição europeia através da canibalização de referências estrangeiras, que, apropriadas e digeridas, resultariam numa produção híbrida, própria, antropofágica”, explica o texto ao lado do quadro na exposição do MASP.

Tarsila “digeriu” a técnica que aprendeu durante temporada de estudos na Europa – ela teve aulas com André Lhote (1885-1962) e com Fernand Léger ( 1881-1955) – para criar algo novo.

“Qual a lição para a administração de modo geral? A gente aqui vive inundado por conceitos de americanos e alguns europeus. A gente adora importar ideias dos outros e achar mais lindo que as nossas. Você chega hoje nas seções de administração das livrarias e a maioria dos autores é americana, os cursos são de americanos, metade das palavras são em inglês”, diz.

Nesse sentido, Tarsila ensina que é, sim, importante estar aberto para a técnica, mas é igualmente importante ir além da mera adaptação. “ Ela colocou a técnica a serviço da brasilidade”, diz Souza.

Lição 4: Observador
Quadro: O vendedor de Frutas, 1925

O Vendedor de Frutas: quadro de 1925Divulgação

Tarsila do Amaral viajou pelo Brasil, observou e retratou as transformações e diferenças na paisagem brasileira. “Ela observava as pessoas, registrava emoções”, diz Souza. Quadros como Vendedor de Frutas, ou A Caipirinha de 1923, as Costureiras (1950), ou Maternidade (1938) são exemplos da sensibilidade da artista traduzida em arte.

Saber reconhecer as emoções das pessoas é uma habilidade própria de líderes que conseguem extrair o máximo potencial de cada membro de sua equipe. E essa percepção só é possível por meio da observação e escuta ativas, explica Souza.

Lição 5: Responsabilidade Social
Quadro: Segunda Classe, 1933

Segunda Classe: quadro pintado por Tarsila do Amaral em 1933Divulgação

“Nenhum artista consegue escapar da influência do contexto, das ideias de seu tempo”. A frase de Tarsila ao lado do quadro Operários, na exposição do MASP, indica o momento em que Tarsila se debruça sobre temas realistas e sociais.

“Os personagens são pintados com forte delineamento do rosto, mostrando seus corpos e suas expressões muitas vezes de sofrimento pelas dificuldades impostas em país desigual”, explica o texto informativo da exposição.

Quadros como Os Operários ou Segunda Classe, ambos de 1933, são exemplos desse chamado à consciência social. “O líder tem uma responsabilidade social. Tarsila fez contribuições para a sociedade”, diz Souza.

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