Veja quais profissionais estarão em alta em 2021

As expectativas em relação à economia para 2020 eram altas. O mercado, que ainda vinha sofrendo com os reflexos da recessão iniciada em 2014, se animou com a reforma da Previdência e a redução paulatina da Selic. Mas ninguém tinha como prever que a roda da fortuna viraria tão rápido. A pandemia mudou completamente o cenário.

No segundo trimestre, o PIB registrou um tombo de 9,7% – o maior da história. E o IBGE identificou que 716 mil empresas fecharam as portas desde o início da pandemia até a primeira quinzena em julho. Foi uma bomba sobre o mercado de trabalho. Entre maio e julho, a taxa de desemprego atingiu 13,8% (a mais alta da série histórica iniciada em 2012) e já afeta 13,1 milhões de brasileiros.

O número de desocupados e o fechamento de empresas refletiu diretamente nas remunerações: com mais profissionais disponíveis, os salários estagnaram. Segundo o guia salarial da empresa de recrutamento Robert Half – que traz as expectativas de remuneração para 2021 –, 53% dos empregadores afirmam que os salários não devem sofrer grandes variações no ano que vem. “Enquanto não houver um aquecimento mais forte na economia, nós não vamos ver uma melhora das faixas salariais na maior parte dos cargos e das áreas”, salienta Fernando Mantovani, diretor geral da Robert Half Brasil.

Mas nem tudo está perdido. Mesmo com o cenário desanimador, a pesquisa indica que algumas áreas estão, sim, se destacando. É o caso da engenharia. O setor passou por um período de baixa nos últimos anos. A retomada da construção civil, porém, está movimentando as contratações nos segmentos de mineração e infraestrutura.

O coronavírus ainda transformou o varejo e a logística. As entregas por delivery e vendas onlines dispararam. Junto com elas, cresceu também a necessidade por profissionais de marketing para identificar as tendências de consumo e aproximar as marcas dos clientes.

Outra área que ganhou destaque é a da saúde, uma das que mais estão trabalhando na crise. Os custos aumentaram, as cirurgias eletivas diminuíram e as equipes hospitalares dobraram o turno. Alguém precisa segurar as rédeas do orçamento, então as portas estão abertas para as pessoas que atuam no setor financeiro e de contabilidade. Na verdade, esses profissionais estão em evidência na maioria das empresas, uma vez que são eles que estão equilibrando as contas para manter os negócios de pé.

Já os profissionais de tecnologia nunca estiveram tão em alta. 60% dos executivos consultados pela Robert Half afirmam que o período de quarentena acelerou os processos de transformação digital das empresas. E isso vale para todos os setores. Uma constante em praticamente todas as empresas é o uso maciço de dados – seja para definir estratégias de marketing na indústria e alimentos, seja para criar novos produtos para companhias de seguros.

A seguir, mostramos com exclusividade quais são as expectativas de mercado, os cargos e os salários para as sete áreas de atuação que devem bombar em 2021, se não houver nenhuma grande surpresa pelo caminho.

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Tecnologia – Os queridinhos do mercado

A palavra “crise” não faz parte do vocabulário dos profissionais de tecnologia. E a pandemia deu ainda mais destaque a quem trabalha no setor. “A área de TI já está em alta há alguns anos. Mas a Covid obrigou as empresas a tirar projetos do papel. Por isso, veremos um mercado extremamente aquecido e concorrido em 2021”, diz Débora Ribeiro, especialista em recrutamento da Robert Half.

Um exemplo: a adoção do trabalho remoto gerou um aumento no volume de dados que está sendo compartilhado. Com isso, subiu também a procura por profissionais especializados em computação em nuvem, infraestrutura de TI, gerenciamento de dados e segurança da informação – este último puxado também pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro.

Segundo o professor e diretor acadêmico da FIAP, Wagner Sanchez, para atuar na área, é preciso estar em reciclagem contínua. “Na parte técnica, tem que estar totalmente atualizado sobre as novas tecnologias e linguagens. Se você parar de estudar por seis meses, já está defasado.” Já na parte comportamental, as habilidades de colaboração, inovação, autogestão e visão estratégica são as mais exigidas. “As companhias estão buscando pessoas que fogem dessa questão só técnica e olham para o negócio”, completa.

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Braço estratégico

Adilson Lavrador, de 56 anos, é um veterano no mundo da tecnologia. O paulistano atuou na área de processamento de dados no Bradesco, durante dois anos, e depois passou 27 anos na área de TI da Brasil Seguros (atual Allianz Seguros). “Comecei como programador. Como essa parte de tecnologia se desenvolveu, também fui crescendo na minha carreira. Sempre estava aparecendo uma oportunidade ou um projeto novo.” Há sete anos, ele assumiu a cadeira de diretor executivo de operações e tecnologia da seguradora Tokio Marine e lá desempenha o novo papel da TI: como um braço estratégico da companhia, e não apenas uma área de suporte.

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A empresa, que investe em torno de R$ 100 milhões em tecnologia por ano, criou uma área de transformação digital e outra de inovação. Para Adilson, essa mudança na função do setor pede profissionais mais voltados para o administrativo do que para os computadores. “Não somos uma empresa de tecnologia, então é preciso que o profissional tenha uma boa visão do negócio, que conheça o nosso mercado e pense na experiência do usuário quando vai buscar novas soluções tecnológicas. Hoje, ter funcionários com esse perfil é uma vantagem competitiva.”


Vendas e marketing – Uma nova área

A tecnologia também contaminou (no bom sentido) os setores de vendas e marketing. “A transformação digital nessas áreas está no auge. Os profissionais estão cada vez mais lidando com o digital, novas tecnologias, redes sociais e dados”, destaca Leonardo Berto, gerente de recrutamento da Robert Half. Durante a pandemia, mercados como varejo, atendimento ao cliente e logística foram os que mais se beneficiaram dessa fusão e aumentaram as suas equipes, buscando se aproximar cada vez mais dos consumidores.

E essa nova realidade demanda profissionais com habilidades como fluência digital, autonomia, foco na experiência do cliente, capacidade de identificar tendências e cuidado com a segurança e concessão de dados. “Não tem mais

espaço para achismos dentro do marketing. Hoje, com o big data, [a análise de grandes bancos de dados em busca de padrões de consumo e de tendências] essa área está muito mais assertiva e ágil”, completa Marcelo Zorovich, coordenador do departamento de estágios
da ESPM-SP.

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Rolando os dados

Quando começou a estudar comunicação social, Tatiana Wong, de 38 anos, nem imaginava que passaria os seus dias cercada por números. Há 12 anos, a recifense começou a trabalhar com a produção de eventos na agência de live marketing Holding Clube, até que a empresa passou a fortalecer a área de estratégias de incentivos e fidelidades.

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“Migrei para essa parte e comecei a fazer a análise de dados das campanhas dos clientes. Nunca tinha tido que lidar com números de uma maneira tão profunda, mas é muito legal porque você consegue identificar padrões e coisas que dá para mudar nas ações de marketing.” Hoje, ela é diretora da Roda, agência da Holding Clube que desenvolve projetos de business intelligence (BI, a área que toma decisões estratégicas com base em dados) e afirma que, para trabalhar nessa área, o profissional precisa treinar o olhar para entender o que os números querem dizer. “Quando a gente fala em BI, o mais importante está na forma como você cruza as informações para poder chegar a uma análise satisfatória.”


Jurídico – As demandas da crise

Processos burocráticos, extensos e conservadorismo não cabem mais dentro das empresas. Nem na tradicionalmente sisuda área do jurídico. “Já existem ferramentas que possibilitam agilizar as análises jurídicas. O perfil do profissional precisa mudar para que ele consiga atender os trâmites conservadores comuns na área de uma forma mais tecnológica. Simplicidade é a palavra de ordem”, diz Mariana Horno, gerente sênior de recrutamento da Robert Half. Trata-se de um setor fundamental em momentos de crise. Os advogados vão encontrar mais vagas na área cível por conta da pandemia, pela necessidade de renegociação de contratos e reestruturação de dívidas corporativas. A Lei Geral de Proteção de Dados também vem demandando cada vez mais profissionais especializados. Para aqueles que trabalham em empresas, a habilidade mais necessária é a de visão do negócio e maior amplitude de atuação em conjunto com outras áreas da companhia.

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Seguros – Hora de se reinventar

Comparado ao restante do mundo, o mercado securitário brasileiro ainda é conservador. Mas transformações digitais estão obrigando o setor a se modernizar, seja para facilitar o processo de pagamentos ou fornecer coberturas personalizadas. E para Ana Carla Guimarães, gerente de recrutamento da Robert Half, o perfil do profissional também precisa se modernizar. “A inovação tecnológica virou prioridade nesse segmento e isso impacta diretamente no perfil dos candidatos que as empresas procuram. Eles precisam ter conhecimento na parte digital e uma passagem, mesmo que pequena, em alguma implementação de produto ou de uma nova tecnologia.” As posições com mais destaque são precificação e produtos, principalmente porque o mercado espera um cenário mais competitivo entre as seguradoras, que terão de encontrar novas oportunidades de gerar receita. Já entre as áreas que mais contratam neste momento estão o agronegócio, que manteve a produção mesmo com a pandemia, e a de infraestrutura, uma vez que o setor de construção civil está aquecendo.

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Engenharia – De volta ao jogo

O setor de engenharia já teve seus tempos áureos. Entre 2000 e 2014, o investimento em infraestrutura resultou em um boom de vagas e salários. Mas os últimos sete anos não foram fáceis. A recessão e as construtoras envolvidas na Lava-Jato deixaram os canteiros de obras com cara de velório. A nova realidade criou uma diáspora de engenheiros para outras áreas, como o mercado financeiro. Agora, tudo indica um reaquecimento do concreto armado. “A atividade industrial já está chegando no mesmo nível de antes da pandemia e a construção civil também foi uma das menos abaladas nos últimos meses, porque já vinha de um processo de retomada com os juros mais baixos”, diz Marcello Nitz, pró-reitor acadêmico do Instituto Mauá de Tecnologia. Junto com essas duas áreas, as demandas também estão crescendo em infraestrutura, sustentabilidade, mineração e logística. Mas para se dar bem no setor existe um pré-requisito importante, que muitos ignoram: o inglês fluente. “A gente sempre repete essa questão do segundo idioma, porque nessa área tem muita tecnologia que vem de fora e o profissional precisa ter contato com fornecedores e clientes. Se você não tem um bom inglês, você fica limitado”, afirma Carolina Cabral, gerente sênior de recrutamento da Robert Half.

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Senhor estagiário

Em 2014, o engenheiro civil Paulo Monteleone, de 62 anos, se aposentou e continuou trabalhando até maio de 2015 – quando a crise econômica pegou o setor de construção e ele foi demitido. Ficar parado não era uma opção. Paulo, que vive em Paulínea (SP), começou a fazer perícias de avaliação de imóveis e segurança do trabalho, além de se dedicar aos estudos. “Voltei a estudar algumas coisas sobre construção até que me encantei por steel framing [um sistema construtivo que utiliza o aço galvanizado na estrutura] e comecei a devorar o conteúdo.” Em outubro do ano passado, surgiu a oportunidade de voltar para o mercado de trabalho. Ele ficou sabendo de uma vaga de estágio na Construtora Brosz, especializada na construção com steel framing, e se candidatou.

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“Eu queria conhecer mais sobre o tema e me contrataram. Mas não é como se fosse um estágio normal, né? Porque eu já tenho o conhecimento técnico de toda uma vida.” A empresa foi uma das que perceberam o reaquecimento do mercado: até fevereiro, eram duas obras em andamento e duas para iniciar; agora, já são oito obras em andamento. “Antes, eu fazia só alguns trabalhos, mas a demanda começou a aumentar e agora passo mais tempo aqui. Brinco que fui efetivado.”


Mercado financeiro – Balança, mas não para

A pandemia trouxe muitas incertezas, e o mercado financeiro – um dos setores que mais se destacaram na atração de talentos nos últimos anos – não passou em branco pela crise. Segundo Ana Carla, da Robert Half, houve uma desaceleração nas contratações por causa da redução no volume de negócios. “Agora, com o reaquecimento do mercado, é possível perceber demandas para cargos de entrada em áreas específicas, como fusões e aquisições, riscos, crédito e compliance.” Mas os profissionais do segmento vão ter de se adaptar a uma remuneração mais singela. “A era dos bônus agressivos e pacotes de remuneração gigantes já passou, e não volta mais. Hoje, o que a gente vê são salários compatíveis com as habilidades do funcionário”, destaca Ana Carla. Assim como as demais áreas, o mercado financeiro está sendo influenciado pela transformação digital – o open banking e o Pix, novo meio de pagamento eletrônico, são exemplos dessa evolução. Além disso, há o crescimento histórico no número de investidores pessoa física na bolsa, que saltou de 500 mil para mais de 3 milhões nos últimos anos, e tem ampliado as contratações por parte de corretoras.


Finanças e contabilidade – Na linha de frente

A crise elevou a área contábil das empresas a um papel de protagonista. “Tem sido um período desafiador para as equipes, já que esse é o setor que controla os custos, o fluxo de caixa e a reestruturação das dívidas”, aponta Marcela Esteves, gerente de recrutamento da Robert Half. Por isso, os profissionais devem saber trabalhar sob pressão e entender como usar a tecnologia ao seu favor para fazer modelagens financeiras mais rápidas; na parte técnica, é preciso se capacitar em incentivos fiscais, análise de riscos e planejamento tributário. Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV, também destaca a necessidade de visão estratégica. “Você precisa ter um raciocínio analítico, mas também a capacidade de resolver problemas complexos. Estamos cada vez mais trabalhando com uma quantidade enorme de dados, sendo que o que interessa no final do dia é se você sabe interpretar soluções a partir dessas informações”, completa.

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Visão 360º

Cristina Morgan, de 46 anos, sentiu na pele os desafios que a Covid trouxe para a área financeira. A belo-horizontina passou 16 anos na Usiminas e virou diretora financeira da mineradora Samarco há dois anos; ela estava preparando a empresa para a retomada das atividades, programada para o final de 2020, quando a pandemia começou.

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“É muito difícil equilibrar tudo. Porque você tem um planejamento econômico-financeiro que precisa ser revisto, assim como os contratos que estão em andamento com fornecedores e adaptações necessárias para que todo mundo continue trabalhando. Ao mesmo tempo, precisa saber tudo o que está acontecendo em outras áreas para auxiliar nas melhores tomadas de decisões.” A executiva defende que a tecnologia é um dos grandes fatores que levaram a área a assumir esse papel estratégico, pois deixou os profissionais com mais tempo para analisar os números – tempo que antes era gasto para construí-los. “O financeiro nunca era chamado para decidir sobre abordagens comerciais, por exemplo. Hoje sempre tem alguém.”

Fonte: REVISTA VOCÊ S/A